sábado, 8 de março de 2014

Estudantes de medicina da Bolívia e o tráfico de drogas

No início parecia um mistério.

Imagine só uma moça jovem de família, estudante de medicina  que desaparece misteriosamente. Imagine que essa moça está longe de casa, estudando fora do país, distante da mãe, dos amigos brasileiros e que, de repente, deixa de dar notícias e sua família, no Brasil, passa a procura-la na internet, nos consulados, entre amigos, na polícia e não consegue encontrá-la.

Não é incomum e não era um grande mistério. O “desaparecimento” de jovens brasileiros que fazem medicina na Bolívia acontece com uma frequência que chega a assustar. Infelizmente, boa parte deles estão atrás das grades.

Imagine um jovem do interior, com pouca experiência de vida ou sem orientação dos perigos que a vida pode apresentar, sozinho. Agora, continuando com nossa criativa imaginação, esse jovem de uma hora para outra se encontrando numa grande cidade, noutro país, noutra cultura e convivendo com pessoas de todas partes do mundo (a Bolívia é bastante visitada por estrangeiros); gente maliciosa, gente inocente como ele, pessoas má intencionadas e, pior de tudo, com aliciadores. Dependendo da idade, condição financeira, da índole, das amizades, do namorado e de muitas outras variáveis que esse jovem convive, ele pode, sim, se envolver com o tráfico de drogas. E muitos se envolvem.

Quando eu cheguei aqui na Bolívia, conheci dois meninos que traficavam drogas (eles mesmo me contaram). E me contaram o quanto de dinheiro que ganhavam; e mostraram seus móveis, suas casas e seus dólares e eu fiquei impressionado. Não só impressionado, mas fascinado, ou melhor dizendo, à beira da tentação, pois eles não somente me mostraram, mas também me ofereceram a adentrar naquele mundo. E eu lá, vivendo com cerca de 700 reais para pagar aluguel, mensalidade, água, luz, internet e comer (sim, eu conseguia tudo isso com esse pequeno valor) sendo tentado a, digamos assim, mudar de vida. Pra minha sorte, a vida do crime nunca me fascinou (cresci ao lado de favela e a maioria dos meus amigos de infância estão presos ou mortos) e a possibilidade de ir para Europa, principal destino do tráfico,  levar droga, definitivamente não era algo que me atrairia; por dinheiro nenhum. Mas e el jovencito? Aquele “inocente” que mal conhecia a capital de seu estado?! Imagine ele nas mãos de um aliciador inteligente, articulado, rápido nos argumentos te apresentando a possibilidade de poder, dinheiro, viagens a Espanha, Portugal ou Rússia com tudo pago, garantindo hotéis, alimentação e dez mil dólares (70 mil bolivianos, moeda local, dinheiro que banca um ano ou mais de um curso de medicina na Bolívia só para ele gastar como quiser) para fazer o trabalho que o aliciador diz ser “fácil”. E o “pequeno” jovem, que chegou aqui sozinho e fez algumas amizades olha para o lado e ouve seu “amigo” afirmar que ele já faz isso há, sei lá, um ano, fica ainda mais tentado a entrar na jogada. E alguns entram.

Não sejamos inocentes de achar que o jovencito é tão burro assim; ele sabe o que está fazendo. Ele sabe que pode desistir; ele sabe que está entrando num país como a Turquia com alguns quilos de pasta-base para cocaína. Ele sabe. Ele mede os riscos? Difícil dizer. Ele pensa que em alguns países da Europa o tráfico internacional de drogas pode dar até prisão perpétua e que em países Islã, dependendo de qual, até a morte? Difícil dizer. O aliciador não fala isso para ele. Muito menos fala da quantidade de brasileiros que estão presos na Europa por tráfico de entorpecentes (confira, ao final, o mapa do tráfico que passa pelo Brasil) e que muitos deles saíram exatamente da Bolívia e eram estudantes de medicina.

Deve-se dizer que muitos estão aqui para traficar mesmo. Tem muitos brasileiros traficantes de drogas disfarçados de estudantes de medicina e não o contrário; alguns fazem esse tipo de serviço há muito tempo. Inclusive, não são somente os brasileiros que fazem isso (obviamente os bolivianos também o fazem) e esse problema vai muito além disso que estou expondo aqui, porém, o ponto a que me refiro é que é preciso estar de olhos abertos. Somente de minha sala (pessoas que estudavam na mesma sala que eu), eu sei de três pessoas que estão presas por tráfico; um em Madri que, segundo dizem, teria pegado 25 anos; um ano por quilo (é o que dizem). Me lembro muito bem dele ainda no terceiro semestre; nem tão jovem assim, nem tão inocente assim. Outra está no Palmasola, um presídio de Santa Cruz de la Sierra, pega no aeroporto desta cidade quando tentava embarcar ao Brasil com drogas no corpo. Imagine só, somente de minha sala, foram três pessoas. Espero que tenha sido uma triste coincidência.


O caso do início deste texto é real. A moça desaparecida, de Rondônia, (leia aqui no portal G1) apareceu na Turquia presa por (segundo dizem) tráfico internacional de drogas. Agora a mãe está tentando contatá-la, tentando arrecadar recursos financeiros e jurídicos e sua jovem filha está encarcerada num país estranho que, provavelmente, ela nunca havia ido antes. A personagem da novela Salve Jorge, aliciada, enganada, presa e, posteriormente, salva, fica apenas na criatividade, na imaginação. O resto é realidade.

Mapa do Tráfico de drogas e armas que passam pelo Brasil.

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