domingo, 23 de fevereiro de 2014

Será que ainda vale a pena fazer medicina na Bolívia?


O sonho de ser médico, quando se fala em profissão, é provavelmente o mais comum em qualquer parte do mundo. E no Brasil não é diferente.

Havia pouco tempo (talvez menos de uma década), fazer medicina no Brasil era tarefa para poucos. Alguns afortunados financeiramente e outros abnegados, dispostos a ultrapassar barreiras dificílimas, eram os escolhidos. Vestibular para universidades públicas eram reservadas à minoria e as vagas das particulares se destinavam àqueles que poderiam pagar 3 mil reais ao mês, no mínimo.

 No mesmo período, lá no início dos anos 2000, houve um boom na busca por cursos da área da saúde e, àqueles que podiam, medicina; os que não podiam, enfermagem, fisioterapia, nutrição e etc. Também nesse período, coincidindo com o valor do Real muito próximo ao do dólar, houve uma crescente (muito crescente) busca por cursos fora do Brasil, principalmente nos países vizinhos, cuja moeda mais fraca e os custos menores, passaram a atrair cada vez mais jovens (e não tão jovens assim) brasileiros em busca da tão sonhada realização.

Ser médico não é para qualquer um. Ao menos, um bom médico; um médico, digamos assim, razoável, não se forma em qualquer lugar. Não basta ter acesso a um curso de medicina, como pensam alguns, que se pode formar médicos. Há, sim, necessidade de seleção e, no Brasil, ela existe, nos países vizinhos, o acesso é livre. Mas o cenário mudou. Hoje temos, no Brasil, algumas oportunidades que havia pouco tempo, não existia; acesso aos cursos de medicina por pessoas que não são afortunadamente endinheiradas. ENEM com o PROUNI, FIES e outros financiamentos e até cotas raciais (sem querer entrar no mérito da questão).

Por outro lado, o cenário nos países vizinhos também mudou. Mudou drasticamente, aliás. Lembra que o Real era moeda forte? Já não é mais. Se esse fator, o principal dentre aqueles que trazia tantos brasileiros para países como Argentina, Paraguai, Bolívia e Cuba perdeu seu encanto, soma-se a isso outros fatores desfavoráveis como o aumento exagerado dos preços (a mensalidade em algumas faculdades de medicina de Santa Cruz de la Sierra, BO, subiu mais de 70%); surgiram taxas, multas exageradas e o que se sente é quase uma perseguição aos tantos estudantes de medicina destes lugares. Falando propriamente da Bolívia, a sensação de perseguição é tão grande que o que se vê é a diminuição no número de brasileiros.

Pretendo mesmo é falar exclusivamente da Bolívia, de Santa Cruz (onde me propus estudar). Em menos de 3 anos, com 1 Real, você comprava mais de 4 bolivianos (estou falando da moeda e não dos cidadãos; se bem que aqui algumas pessoas são tão compráveis que, sei lá...), hoje, você compra 1.80; Na prática, você precisa de mais do que o dobro para viver aqui hoje (2015) do que há 3 anos atras, sem contar a inflação.

Em Santa Cruz tem a Universidade Ecológica que cobra multa até de pensamento. Hoje, caso queira fazer alguma matéria atrasada, terá de pagar mais de 300 bolivianos só para ter o direito de fazer (um direito que já é seu!!!) (isso, aqui na Bolívia, é muito dinheiro). As reclamações na UCEBOL e UDABOL são semelhantes.

O que se viu no final de 2013 foi a transferência em massa de alunos da Ecológica (e da UDABOL) para o Paraguai. Se fala até de 200 alunos só da Ecológica.

Alguns números 

O brasileiro traz mensalmente cerca de 30 milhões de reais somente para Santa Cruz; movimenta a economia, abre negócios, trabalha, estuda e é tratado como lixo aonde vai (raríssimas exceções). Os bolivianos em São Paulo (cerca de 300 mil. Analogicamente, de cada 8 cidadãos de Santa Cruz, 1 está em SP)  são explorados nas confecções por outros bolivianos ou coreanos e sabem o que as autoridades brasileiras fazem quando descobrem? Fazem as empresas pagarem altíssimas multas a esses trabalhadores bolivianos e ainda ajudam a se legalizar (Não acredita? Clique aqui!). Nenhuma autoridade paulista persegue estrangeiro boliviano e eles estão em toda parte; já aqui somos extorquidos todos os dias (leia assalto a brasileiros em Santa Cruz); em algumas lojas, até os preços dos produtos são mais caros, se somos brasileiros; se a polícia, a INTERPOL (que nada tem a ver com a INTERPOL, a polícia internacional) te pega na rua sem documento, te humilha e te manda para delegacia onde passa o dia inteiro tratado como criminoso (leia aqui "Abusos da Interpol"). Outro dia, num prédio onde só tem estudante brasileiro, essa tal Interpol invadiu os apartamentos sem nem mesmo mandado ou qualquer ordem judicial, humilhou os brasileiros gratuitamente. Em nenhum lugar do mundo essas coisas acontecem, nem mesmo nos EUA, onde as políticas de imigração são rígidas, acontece isso com brasileiro estudante.

As políticas locais desfavorecem a chegada de novos alunos, outros locais favorecem a transferência e a atração de novatos; e aqueles que já estudam na Bolívia estão desistindo ou procurando outros locais onde possam concluir seus estudos. E estão certos.

Sabe porque estão certos? Porque é incompreensível a incompetência local para fazer coisas básicas, como liberar um comprovante de formado ou um diploma em menos de 6 meses. Porque existe uma chamada “prova de grado” (de graduação) que é obrigatória a todos os formados, que não reprova ninguém, mas que demora no mínimo 6 meses para ser marcada; há casos de dois anos de espera.

Bom, minha resposta é previsível para a pergunta "se ainda vale a pena estudar na Bolívia". Havia pouco tempo, sim, era. Até o tratamento para com os brasileiros eram diferentes; hoje, na Bolívia, o estudante é tratado como lixo, sem direitos e poucas vantagens e vem sendo, a cada dia, mais explorado.

É minha opinião.

Não concorda? Comente, com educação, abaixo.
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