Antes de ir embora de uma vez por todas das terras de Evo Morales, eu ficava imaginando como seria essa minha “despedida” definitiva ao voltar ao Brasil “para sempre”.
Indo fazer medicina na Bolívia (Bien venido a Udabol) |
Para que eu fosse embora de uma maneira definitiva, não podia deixar absolutamente nada para trás e a única coisa que eu realmente necessitava era o meu diploma. Sim, somente o diploma. Não precisava de plano analítico, de ementas, de TPN – Título de Provisão Nacional (CRM da Bolívia) ou qualquer outro documento à parte, pois, meu caso era Revalida e, lá, só basta o diploma mesmo. Para minha sorte, a universidade onde me formei (devo fazer um post somente com um balanço geral sobre minha experiência na UNE) eu não precisava tirar o TPN para sacar o diploma, ou seja, somente com a resolução da prefeitura (Sedes, antro de corrupção) eu já podia recolher o diploma. E recolhi.
Me lembro claramente deste dia. Foi quase uma semana antes do carnaval. Estava muito ansioso para pegar meu tão sonhado diploma que já estava prontinho somente me esperando. Fui cedo à faculdade e, depois de esperar algum tempo, saí com ele na mão. Verdinho...
Pensa que acabou?
Saindo com diploma na mão, fui enviá-lo a um tramitador (uma espécie de despachante) em La Paz (Rene, bem conhecido e barato, recomendo). No outro dia o Rene carimbou no MEC e MRE da Bolívia e dois dias depois o documento estava em minhas mãos já devidamente legalizado.
Nada. Depois disso, deixei o diploma verdinho no consulado brasileiro em Santa Cruzes onde foi carimbado. Deixei de manhã e retirei a tarde. Tive que esperar o carnaval acabar para poder realizar esse trâmite.
O Revalida exige que o diploma estrangeiro do médico seja devidamente legalizado no consulado brasileiro no país de origem para “confirmar” a autenticidade do documento. Desta forma, o consulado envia o e-mail à universidade que responde em ofício digitalizado confirmando ou não a fidedignidade do diploma.
Me lembro que foi a última vez que estive na Ecológica. Foi estranho olhar para trás e ver aquelas salas de aula, aqueles alunos calouros por ali, aqueles campos verdes que tanto estava familiarizado e saber que, possivelmente, não os veriam mais. Naquele prédio eu vivi todo tipo de emoção como raiva, indignação, algumas alegrias, aprendizado (no final, cito alguns professores bons) e muitas e muitas outras experiências.
Dei adeus a alguns funcionários, agradeci a outros e me fui. Dei tchau a universidade onde havia estudado por seis anos, onde havia conhecido gente de todos os tipos; brasileiros bacanas, do bem, do mal, falso, pobre, rico e todo tipo de gente, além de colegas bolivianos que, na minha experiência, eram bem bacanas.
Ao meio dia em ponto fui ao consulado buscar o meu diploma selado. Era difícil crer que faria meu último trâmite burocrático na Bolis. O diploma estava pronto. Acabou.
De lá fui direto ao terminal de ônibus, o bimodal, para comprar minha passagem a Puerto Quijarro, fronteira com o Brasil, ainda para aquele mesmo dia.
Na quinta-feira, dia 2 de março de 17, eu deixei a Bolívia depois de terminar o curso de medicina.
Enquanto ia caminho do terminal bimodal, via alguns lugares tão familiares: passei perto da maternidade onde fiz GO e me via naqueles plantões de 30 horas vestido de verde; passei de frente ao hospital de Niños onde fiz minha primeira rotação, pediatria, e me vi nas madrugadas andando naqueles corredores desnivelados, feito um zumbi de sono e, numa mistura de orgulho de mim mesmo e de nostalgia, dei adeus. Passei a um quarteirão da praça 24 de Septiembre e pude ver suas luzes que a iluminam, lembrei do Bar Irlandés e do peixe delicioso que servem lá e das tantas fotos que tirei ali, em especial quando havia chegado na cidade, me vi nas das doçarias e sorveterias que tem ao redor da praça e de tantos outros detalhes que, agora, enquanto escrevo, nem consigo mais me lembrar e, até para que essas lembranças que ainda restam não se percam, estou aqui registrando.
Valeu, Bolívia. Valeu Santa Cruz de la Sierra. Cheguei aí um moleque (mesmo depois dos 30) e saí muito mais homem. Apesar de todos os desencalços aí vividos, você, Santa Cruz, me deu essa oportunidade, a oportunidade de me formar médico, algo que, sem dúvida alguma, eu nasci para ser.
Já na saída da cidade vi dentro do ônibus as luzes da Ecológica, a ruazinha de terra onde morei, a entrada da Ubanización Cotoca e até uma licoreria me trouxe lembranças.
Agora, um agradecimento especial a alguns professores que me ajudaram (e muito) na minha formação. Devo esquecer dos nomes de alguns, mas isso não diminui suas importâncias.
Dr. Victor Hugo Peña, foi meu professor de gastrenterologia. Ama o que faz. Formado na UFRJ com especialização no Rio de Janeiro, Bélgica e Espanha, é médico no Hospital Japonés onde também exerce função acadêmica.
Dr. Milton, foi meu professor de Anatomia 1 e 2, é docente titular de anatomia em duas universidades de Santa Cruz. Exigente, reprovador, mas eu gosto dele.
Dr. Guido, professor de fisiologia 1. Foi um dos primeiros professores a quem aprendi a admirar.
Dr. Leopoldo Lazcano, foi meu professor de fisiologia 2 e plantonista chefe de GO na maternidade Percy Boland, onde fiz internato. Um dos médicos mais admirados dos hospitais escolas da cidade.
Dr. Quiroga, Anestesiologista, foi meu professor de farmacologia 1 e 2. Aprendi muito sobre os anestésicos com ele.
Dra. Yoselin Ibañes, me lecionou Imunologia e Genética, saia 20 horas de suas aulas, podre de cansado, mas valeu a pena.
Dr. Camacho, cirurgião torácico, professor de traumatologia. Achei sua aula sobre cirurgia de emergência de contenção de danos inesquecível.
Um Pneumologista, que agora não me lembro o nome (sou péssimo nisso) que é bem idoso, mas que sempre dava suas aulas teóricas ou práticas. A galera não respeitava muito ele e, quando ele se virava de costas, fugia da aula. Obrigado, doutor, por suas aulas.
Obrigado a todos. Sei que estou sendo injusto aqui por não me lembrar de todos, mas de alguma forma, vocês colaboraram muito de perto para minha formação.
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