Uma coisa que notei no sistema de saúde boliviano é a
burocracia. Muita burocracia. No internato, venho notando as dificuldades pelas
quais os profissionais de saúde passam sistematicamente dentro de tal sistema.
Vale lembrar que a saúde pública boliviana não é universal (só engloba crianças
de zero a 5 anos, gestantes e puerpério), desta forma, as pessoas que não se encaixam
nesta classificação, são obrigadas a pagar; a saúde aqui também não é integral,
mesmo àqueles cobertos pelo SUMI (Salud Universal Materno Infantil), onde muitas
vezes são obrigados a pagar por exames mais complexos, medicamentos ou
procedimentos que não estão na lista do governo, ou seja, não cobrem tudo mesmo
às crianças e gestantes. Desta forma, há uma burocracia enorme no atendimento.
Faço internato num hospital de terceiro nível (como se
fosse um Hospital das Clínicas da Bolívia) e noto as diferenças enormes com o
sistema com o qual estou acostumado, o do Brasil. Tem o lado bom e o lado ruim.
Vejamos como funciona:
O médico (onde estou, normalmente, um residente) faz
as prescrições no prontuário, o interno verifica toda a prescrição e copia para
uma receita em três vias tal prescrição, essa receita segue para ser carimbada
pelo médico responsável (especialista de plantão, e temos de acha-lo) e pelo próprio
residente, além da assinatura do interno que copiou a receita. Seguimos com
essa mesma receita até a farmácia onde um farmacêutico checa toda a receita em
busca de qualquer mínimo erro que seja e para, somente então, liberar os
medicamentos. Detalhe: temos que colocar na receita as seringas que serão necessárias
para administrar o fármaco, a água de diluição e qualquer outra coisa que for
necessário naquela prescrição. Isso foi somente um exemplo. A burocracia segue
em quase tudo o que é feito.
A questão é que, por ser a saúde aqui pouco
abrangente, se faz necessário rígido controle para evitar fraudes, como a
prescrição para um maior de 5 anos usando os dados de um garoto menor para sair gratuito. O grande
problema nisso é que perde-se muito tempo escrevendo, checando, reescrevendo,
rechecando e a assistência fica um pouco obscurecida.
Por outro lado, no Brasil há enorme desperdício.
Trabalhei anos em serviços públicos e é bastante comum que funcionários levem
remédios do hospital para casa, para um amigo, para a mãe... são poucos
cuidadosos na administração do fármaco, pois no mínimo erro pode jogar fora e usar outro
quando quiser enquanto, aqui, os medicamentos não ficam ao alcance das mãos e são
bem controlados, ao menos os cedidos pelo governo, já que em farmácias você
consegue comprar até propofol sem receita.
O ruim, para nós internos, é que ficamos mais
preocupados em nos adaptar e encaixar nessa caótica rotina burocrática (para
não cometer erros e ser castigado ou pagar com o próprio bolso), que esquecemos
de aprender a parte médica da situação.
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