quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Revalida 2016 (Season Finale) - Resultado

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Olhei mil vezes para ver se era verdade. Parecia até aquelas caricaturas onde a pessoa fica esfregando os olhos para ter certeza que aquilo era real. Eu simplesmente não podia acreditar. Meu Deus, será que isso está acontecendo comigo?!

Já cheguei até aqui.

Tanta coisa já passou. Tantos dias, tantas noites acordado. Anatomia, fisiopatologia, estágios, internato, província... meses, anos e finalmente terminei a faculdade e, agora que, recentemente fiz a última etapa do Revalida do INEP, o resultado chegou

Uma prova prática que, com certeza, vai reprovar muita gente.

Ontem saiu a nota.

Tudo parece tão simples. O tempo que passou, os meses, os anos e, “fim”. Mas os resultados são apenas aquilo que as pessoas conseguem enxergar. É difícil ver além disso e é uma tarefa praticamente impossível, desse que agora escreve, conseguir expressar o que tudo isso significa.

De anteontem para ontem eu mal dormi e olha que tomei um remédio para ajudar. Eu sabia que ontem, as nove horas da manhã, o resultado sairia. O resultado da prova que me daria ou não o direito de ser médico no Brasil.

As nove da manhã eu entrei na internet para checar a nota. Nada. Nove e meia e nada até que, quase as dez horas, o resultado saiu e eu fui descendo a página da internet que demorou um ano a carregar.

Tremedeira, ansiedade, mais tremedeira, taquicardia, arritmia, taquiarritmia até que a barrinha do site chega ao final. Olhei a nota um milhão de vezes para ver se estava mesmo certo. Eu não conseguia acreditar.

Um filme passou na cabeça (isso sempre acontece comigo) e me vi na última noite antes de ir embora para Bolívia, por seis anos, em Santo André, SP, numa noite de sexta (se não me engano), sozinho na rua Oliveira Lima enquanto ouvia bem de longe uma música do Codplay (Viva la Vida) tocada ao vivo por um músico não muito bom, mas que naquele momento me soava perfeito. E daquela rua eu cheguei até as nove e quarenta e cinco da manhã do dia vinte e dois de dezembro de dois mil e dezesseis em apenas alguns segundos. Seis anos. Resultado.

E no meio de tudo isso?

Já cheguei até aqui.

Estou na Bahia, vim ver minha mãe. Vim ver, mesmo sem a certeza de ter sido aprovado nessa última etapa, a possibilidade de, aqui, trabalhar. Quero interior, quero paz e quero estar perto dela. E, caso passasse, a primeira pessoa a quem queria dar a notícia era à minha coroa. Ela, que sempre acreditou em mim, que depositou todas as suas fichas no meu “projeto”, que esteve do meu lado, mesmo estando longe fisicamente, nos momentos mais difíceis, quando todos desconfiavam de mim que havia terminado outro curso superior e, agora, queria inventar de ir estudar fora, queria se “aventurar” já com 31 anos, ao invés de ficar em seu trabalho concursado numa boa. Minha mãe acreditou em mim desde o primeiro dia e eu estava ali com ela; e, agora, faltava apenas o resultado. Seria a hora certa no lugar certo. Seria...

O mundo só enxerga os resultados.

Depois de seis anos, depois de ter largado tudo no Brasil para estudar num país diferente (e “tudo” entende-se família, mãe, trabalho, outra profissão, filha e muitas outras coisas); depois de chegar nesse país diferente e passar por um milhão de dificuldade (e “dificuldade” entende-se passar fome, ser detido pela polícia local por visto atrasado, passar fome de novo, pagar propina para polícia corrupta, pagar advogado corrupto para fazer documentos e muitas outras), vender sua dignidade a preço de banana e deixar seus poucos princípios de lado; depois de uma depressão, depois de se tornar dependente de medicamentos e depois se livrar, de se afastar do mundo e das pessoas, e de..., bom, depois de tudo que passei, finalmente chegou o dia de saber o resultado.

Quem nunca?

Passar. Só uma palavra. Parece a coisa mais simples do mundo. Parece até que tudo o que fiz durante todos esses anos não conta. Tudo que as pessoas conseguem ver é o resultado e, sinceramente, é assim que a vida é. As pessoas não te reconhecem pelo que você fez, ninguém olha os caminhos que você teve que percorrer. Tudo o que perguntam, é: e aí, você passou?

Claro que teve muita coisa boa, conheci gente incrível, amadureci mil anos, aprendi a cozinhar, aprendi a sentir a solidão e não ter medo disso (e até a gostar), aprendi a ajudar (o que para um médico é ótimo), aprendi algo que é ainda mais importante do que ajudar, que é aceitar ajuda de outra pessoa e eu aceitei de gente que jamais esperaria atenção.

As pessoas mais normais que conheci na vida foi na Bolívia!
Os dois lados da mesma moeda.

No meio de tudo isso, vendo alguns “pontos” da nota que me separaram da aprovação da reprovação, me vêm uma questão à cabeça: será que essa prova consegue “medir” isso? Será que essa avaliação (que mais parece um joguinho, um teatrinho) consegue mesmo medir de maneira justa o que é se formar médico e se cada um de nós, que dessa prova participa, é ou não capaz de exercer a medicina? A vontade que tenho era que incluíssem tudo o que passamos, que pudéssemos gritar a todos os cantos essas dificuldades para que possam ver que uma “nota” realmente parece algo escroto demais para determinar algo tão importante.

Mas, saindo do campo filosófico-moral, a vida é mesmo feita de resultado e a prova tenta medir, ainda que de uma maneira teatral, isso. Alguns pontos separam vencedores de derrotados. Resultado, apenas resultado. É somente o que as pessoas veem.

Então vamos voltar a realidade das coisas: estava eu acessando o site do INEP (onde a nota é divulgada) e tentando achar meu resultado e nada. Acontece que minha prova foi feita em caráter liminar e a nota saiu num arquivo grande, em PDF, e eu não a encontrava de jeito nenhum.

Pense num desespero! Eu ali, de frente ao notebook, descendo um arquivo, vendo minhas pontuações de cada questão e não achando a nota final. Meu coração devia estar a mais de 150 batimentos por minuto, eu devia estar prestes a ter uma arritmia fulminante justamente no momento de ver a nota final do exame mais importante de minha vida.

Já até podia ver a manchete no G1


Conversava com uma amiga no WhatsApp que havia sido aprovada e ela estava comemorando e eu não conseguia achar a minha, até que ela me fala que estava bem no finalzinho da página. Foi então que a encontrei. Parece que tudo o que eu era se desmaterializou e sumiu. Não enxergava, não ouvia, não sentia e deixei de existir por alguns segundos.

Olhei mil vezes para ver se era verdade. Parecia até aquelas caricaturas onde a pessoa fica esfregando os olhos para ter certeza que aquilo era real. Eu simplesmente não podia acreditar. Meu Deus, será que isso está acontecendo comigo?! 

De repente, a paz. A tranquilidade. O ritmo do coração se normaliza. A respiração deixa de ser ofegante, os movimentos corporais mais controlados. Olhava para a tela do notebook ainda com alguma incredulidade atentando para aquele número a minha frente, mas agora estava tranquilo. Já podia ouvir o cachorro latindo, o celular vibrando, as pessoas falando. Meus sentidos foram voltando para o meu corpo e tomando seus lugares. E, finalmente, me vi ali sentado numa cadeira de madeira de frente ao notebook, na Bahia, na casa de minha mãe.

Pois bem, chega de enrolar, rs

Para passar era necessário tirar 56 pontos. E eu havia tirado, arredondando, 60 pontos. Passei!



Fiquei ali sentado por alguns minutos esperando meus sentidos retomarem e então me levantei. Minha mãe, que tem 82 anos e ainda costura, estava na máquina distraída e nem imaginava o que estava se passando. Ela sabia apenas que eu estava esperando o resultado final. Fui em direção a ela e parei ali perto. Ela apenas costurava dispersa até que, depois de eu ficar ali perto em pé parado, ela resolveu olhar para mim e, como somente as mães são capazes de diferenciar as lágrimas de tristeza e felicidade, ela na hora soube o que se passava.

Minha mãe à esquerda. À direita é minha madrinha, irmã de minha mãe.
O abraço foi forte. Eu com meu 1,82 m e ela com seus 1,60 m. O resultado é tudo que as pessoas conseguem enxergar, mas não a gente. O abraço foi verdadeiro e, devo dizer, não pelo resultado; porque ela foi a pessoa que viveu tudo o que passei junto comigo. Ela sentia o que eu senti, ela dividiu as minhas dores e era isso o que esse momento significou para nós. Era um desabafo. Não era uma comemoração pelo resultado, era uma comemoração pela coragem e pela força que tivemos de encarar isso até o final. Um abraço que teria acontecido com a derrota. Mas aconteceu com a vitória. Se você continuar lendo as histórias que virão, vai entender o porquê eu ter me formado médico, especialmente em minha família, é uma conquista tão grande. Sim, eu sou um vencedor!


Passei, passei, passei e vou repetir isso mil vezes até que eu consiga medir a dimensão e o significado disso. Meo, eu sou médico, agora! E isso é muito foda, cara, muito foda!

Hoje, 27 de janeiro de 2017, o INEP confirmou a minha aprovação e no dia 01/02 já liberou aos aprovados darem entrada nas universidades brasileiras para pegar o diploma devidamente revalidado. Cerca de 15 dias depois, é só ir ao CRM de seu estado e se inscrever. A inscrição sai no mesmo dia.

E ai, gatinha que nem olhava na minha cara quando era lascado, agora eu tenho CRM!

Nossa, você está tão lindo agora!

Minha comemoração vai ser a seguinte: vou tomar a soma dos números do meu CRM em garrafas de cerveja. Espero que não seja 99.999.


Bora beber, porra!!!!







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