terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Revalida 2016 (Parte 4) – Prova Prática

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Depois de passar vergonha no primeiro dia de prova, no sábado, era a hora de dar a volta por cima no domingo ou simplesmente ser reprovado.

Depois da prova, no sábado, eu fiquei desolado. E tinha que escolher entre duas opções: ficar sentindo pena de mim mesmo por ter ido mal, por não ter lido os enunciados em 3 casos diferentes e por ter perdido o foco ou usar da experiência ruim para não cometer os mesmos erros. Disse a mim mesmo que não repetiria mais aquelas mancadas que dei e que ia lutar como um bom brasileiro até o fim.

Fui dormir cedo, estava tendo um baile funk ao lado do convento e, para que eu conseguisse pegar no sono, tomei um zopiclona. Esse medicamento me derrubou e, então, apaguei. Uma noite de sono é bem importante antes de uma prova.

Tava quase largando tudo e virando um vida loka!

Acordei 4h da manhã. Acordei ansioso e já fui tomar um banho. Peguei meus cadernos e ficava olhando tudo que eu podia. Estava maluco. Isso não é hora de estudar. Parei um pouco, respirei fundo e disse a mim mesmo para manter a calma. Estava claramente desesperado.

A caminho do hospital, eu pensei nas pessoas mais importantes de minha vida, no rosto de minha filha orgulhosa de mim por ter um pai médico e, ao mesmo o tempo, a feição de decepção por eu não passar. Ao mesmo tempo que isso me animava, me trazia ainda mais pressão. É quase impossível medir o peso que sentia naquele dia, de ter de tirar uma boa nota no último dia de prova depois de ter “fracassado” no primeiro dia. Era uma pressão incalculável. Estavam todos me esperando, todos contando com meu sucesso e eu estava a um passo de perder tudo e ter uma segunda chance somente no próximo ano.

Ja podia ver as pessoas rindo de mim. Olha lá, o cara que sempre falou que passava no Revalida!
Passava o dia todo estudando... Ficou na prova prática... Burro!!! kkkk

Como explicaria isso a minha mãe, meus irmãos, aos amigos que tanto acreditavam em mim, a família de minha filha? Eu tinha que passar de todo jeito. Não tinha opção...

No hospital, a mesma turma do dia anterior. O processo seria o mesmo: nada de contato visual, nada de papel...

Fila indiana...

Novamente fomos a primeira turma...

Na porta da sala esperando o apito...

Nessa hora, eu parecia uma criança que vai comprar algo na padaria e fica repetindo a si mesmo o que deveria trazer; “cinco pães, 200 gramas de queijo... cinco pães, 200 gramas de queijo... cinco pães, 200...”. Então eu repetia mentalmente: “ler o enunciado, me apresentar à paciente, ler o enunciado, me apresentar... notificar... notificar...” e repetia essa ladainha para não esquecer enquanto esperava o apito ali em pé de cabeça baixa como um boi que está indo para o abate.

Soa o apito. A fiscal abre a porta...

200 gramas de pão, 5 queijos... não, pera.. 200 queijos de pão... 5... 200... Inri, cadê vocêêê?😱😱😱

E começa o primeiro caso.

Era um caso de cirurgia. Abdômen agudo perfurativo. O ator era péssimo. A minha tarefa era basicamente prepará-lo para uma laparotomia de emergência. Dizer se era aberta ou por vídeo e pedir os exames necessários para a cirurgia, além de indicar os medicamentos que ele precisaria naquele momento. Fui mais ou menos. Esqueci da sonda vesical e de uma idiotice que fizeram a respeito do acesso venoso central que estava mal posicionado. Sai da sala desanimado. Precisava ter feito um trabalho melhor; o caso era algo básico que eu sabia, que eu dominava e não podia ter errado nada. Fiz 6 de 10

O segundo caso

Era um caso de clínica médica, mais propriamente, neurologia. Uma mulher jovem com queixa de dor de cabeça recorrente unilateral de forte intensidade. Muito fácil. Minha tarefa era dar o diagnóstico (enxaqueca), o tratamento, como prevenir novos eventos e as orientações. Ganhava um ponto quem dissesse “não” quando a paciente pedisse tomografia. Fiz 8,5 de 10.

Um pequeno alívio.

Terceiro caso

Uma mulher de uma comunidade queria saber o que era ESF (Estratégia Saúde da Família) e eu devia dizer tudo o que sabia e sanar todas as dúvidas dela. Contou ponto dizer que não atende emergências, que atende a uma população definida e que era composta por uma equipe multidisciplinar, dentre outras coisas. Fui bem. Falei, falei, falei e acabou o assunto em poucos minutos e depois ficamos eu, a atriz, o câmera e a examinadora em silêncio por uns 4 minutos esperando o tempo acabar.

O quarto caso

Fácil, era um caso de tuberculose envolvendo a mãe amamentando e um bebê. Fiz quase 10 de 10 nesse caso.

O último caso

Esse foi o caso mais legal de toda a prova. Uma senhora de 42 anos trazia um resultado de exames hormonais de uma consulta anterior, quando havia relatado dispareunia e insônia, dentre outras queixas relacionadas. No enunciado (agora eu estava lendo todos) dizia para eu interpretar os exames. Acontece que não havia nenhuma alteração significativa, exceto pelo FSH (hormônio folículo estimulante) um pouco aumentado, o que relatei ser normal para idade (pré menopáusica, início da falência ovariana com aumento do estímulo folicular). Então olhei para a “paciente”, era uma atriz muito boa, vestindo uma blusa e um lenço que escondia o pescoço. Questionei sua atitude. Ela inicialmente desconversou, mas com minha insistência, ela expôs o pescoço, mostrando vários hematomas; haviam hematomas nos braços também (maquiagem perfeita). Na anamnese desse “novo caso” descobri que ela apanhava do marido e que pretendia cometer suicídio. Eram três diagnósticos: 1 - exame normal, 2 – violência doméstica, 3 – ameaça de suicídio (depressão). As condutas eram obvias: orientações quanto a denúncias de violência às autoridades policiais, antidepressivos/ansiolíticos, internação psiquiátrica, notificação compulsória da violência doméstica, dentre outras coisas. Se não me engano, fiz 9 de 10 nesse caso.

Um toque a quem for fazer essa prova: decore a lista de doenças de notificação compulsória, sempre cai. Outra coisa, leia sempre o enunciado antes de iniciar o atendimento, eu perdi muito ponto por esquecer; parece obvio, mas é extremamente comum esquecermos; na verdade, todo mundo esquece num dado momento.

Terminei o Revalida 2016.

Terminei a prova mais importante de minha vida.

Devo lembrar, aqui, que o resultado só sairia em um mês. Eu tinha um mês de sofrimento até que o INEP somasse todos os pontos e divulgasse a nota. Eu postei agora algumas notas depois do relato de alguns casos, mas isso eu só fiquei sabendo isso quando o INEP divulgou, ficou parecendo que o examinador falava a nota na hora, mas eles não podem revelar sua nota. Você só fica sabendo quando o INEP divulga. Ao terminar cada caso, saí da sala sem fazer ideia da nota que o avaliador havia dado. Em alguns casos, era mais de 30 itens avaliados, desde sua linguagem corporal até as condutas específicas. Tudo era examinado nessa prova. Se engana quem pensa que é só acertar o diagnóstico, é preciso ser ator, produtor, adivinho (porque muitas vezes temos que adivinhar o que eles querem), perspicaz, manter a calma, entrar no clima e, enfim, ser médico para passar nesse trem.

Saímos do hospital as 14 e fomos comer. Fiz amizade com uma galerinha de minha turma e queríamos comer um churrasco gaúcho.

Depois da prova, fomos provar um churrasco gaúcho. Muito bom!
Na foto, uma formada em Cuba e a loira é uruguaia.

Treinamento prático do Medcel. Reparem que a mesma menina que
fez o treinamento comigo estava na minha turma em POA 😊😊
Foto: divulgação.

Voltei para São Paulo no mesmo dia. No caminho, no ônibus, ficava me questionando o quanto havia sido burro em vários momentos. E, pior, ia ter que esperar um mês para ver minha nota. Haja sofrimento. E aguentar o povo me perguntando se havia ido bem e ter que dizer a verdade, que tinha sido uma bosta?! Só Deus na causa...

Ainda hoje, nos dias mais sombrios, posso ouvir aquela mulher com cara de monstro assoprando
com toda sua força aquele apito!

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