terça-feira, 31 de julho de 2012

O apartamento - Velha vida, vida nova

Minha estada no apartamento também durou apenas um semestre. Como disse anteriormente, a casa onde morava foi pedida pelo dono e teríamos de procurar outro local e, depois das férias, aconteceu que cada um procurou um lugar diferente onde morar e toda aquela galera da primeira casa foi separada.
O apartamento onde moraria, agora, era amplo e bonito. Meu quarto era estiloso e bastante arejado e, por incrível que pareça, não senti que viveria ali por muito tempo. Parecia meio irreal: primeiro, uma casa modesta e suja, depois uma apartamento de primeira (pros moldes bolivianos) e, principalmente; eu vivendo ali, pagando caro num ambiente que me trazia um conforto desnecessário e, sabia eu, minha família se descabelava para pagar tudo; me sentia mal com isso, além de não estar colaborando financeiramente com o sustento de minha filha.

Eramos em quatro, no AP: eu, a Sa**, do Maranhão, que me convidara para morar no AP, o HB, de Pernambuco, um cara gente boa, e o LR (segundo ele mesmo, nascido de uma família alemã, mas criado por uma família adotiva brasileira em Itapipoca, - terra de Tiririca - no Ceará) (não quero identificá-los com os nomes sem autorização e não os achei, ainda, para pedir que autorizem). A Sa** era a única mulher, o HB era o morador mais antigo e o LR estava chegando naquele semestre. Eram pessoas legais, com suas particularidades.

O início

No início, foi bem legal. Cheguei cedo, não havia aula e passávamos o tempo todo vendo filmes, todos deitados em colchões de frente a TV;  comemoramos o aniversário da MT, fiquei bêbado no meu aniversário e estava seguindo a vida agradavelmente. Mas tinha um probleminha: não funcionava a geladeira e não fazíamos comida, necessitando ter de comer fora todos os dias em todas as refeições. No início, isso também foi interessante; íamos a um lugar chamado Sonilum, um centro de comidas com lanchonetes, restaurante, pizzaria, sorveteria e outros; a comida era, para padrões da época, cara. Tão cara que não conseguia passar 20 dias sem o dinheiro acabar e isso me trouxe um grande problema financeiro.


Eu, (acima) na escada do Ap e, abaixo a galera vendo TV deitados no chão em colchões. Bons tempos.



As aulas começaram, precisei de livros, cadernos e outros materiais e não podia comprar, então passei a comer pollo novamente (muitos!) e mesmo assim, por ser uma região nobre aquela, o pollo era mais caro, o dinheiro acabou e, pela primeira vez em toda minha vida, passei fome. Sim, eu passei fome por não ter o que comer e dinheiro para comprar. Em alguns momentos, pedi ajuda a MT, o HB, a Sa** e o LR chegaram a me emprestar dinheiro e até me pagaram uma ou outra refeição. Passar um dia todo sem comer nada, para mim, foi uma experiência horrível afinal, sou esfomeado e passar por aquilo, feria, além de tudo, minha dignidade, pois não tinha a quem recorrer, a quem pedir ajuda (todos da minha família que se propuseram a me ajudar, já estavam fazendo o que podiam). Nessa hora, pensei em desistir. Mas Deus sempre esteve comigo e, algo que sempre fiz por prazer e curiosidade, me trouxera naquela hora uma saída: consertar computador. E me apareceram vários para consertar e, cada trocado que pegava com aquilo, era um dia a mais que sobreviveria e, com o reparo da geladeira, passamos a cozinhar em casa. Esta foi a fase "passar fome" de minha vida.

As aulas estavam rolando e optei em me manter na universidade que já estava. Conhecia a galera, estava acostumado com o ritmo e foi melhor me manter ali, mesmo morando muito longe tendo de pegar dois micro ônibus para ir e dois para voltar, demorando uma hora para chegar.

Eu me mantinha distante de todos ali; a galera tinha um estilo de vida diferente do meu: iam para baladas, dormiam 3 ou 4 da manha, acordavam meio dia (ou mais) e não podia conversar com quase ninguém, pois as ideias definitivamente não batiam. Obviamente que respeitava a todos e nunca briguei com ninguém, nem mesmo tive discussões calorosas, apenas pequenos desentendimentos resolvíveis como sobre a limpeza da casa, música alta (e frequente) por exemplo. Gosto muito de música, acho forró interessante, principalmente num baile de forro, num aniversário eclético ou numa festa caipira, mas não curtia ouvir 24h por dia 7 dias por semana. Me sentia sozinho (e me isolava, afinal, aquilo não era minha praia). Então, decidi sair.

Quando decidi sair, a MT estava no Brasil para operar de seu cisto branquial, um problema de saúde que ela teve que nos levou a vários especialistas aqui na Bolívia, mas nenhum fechou um diagnóstico correto, além dela ter gastado muito dinheiro, pois a saúde aqui é bem cara; até de linfoma suspeitamos. Depois ela voltaria, como estávamos "envolvidos" e, na casa que haveria de morar tinha uma quarto vago, ofereci e ela aceitou. Sai do apartamento com uma decisão pensada e com uma sensação de que, mesmo ter morado num AP amplo, confortável, com ar condicionado, sempre cheio de gente, era mais feliz na casinha modesta e sujinha que vivia antes.

Na minha sala, morava uma chica bem legal chamada Renata. A Renata soube que eu queria sair do AP e me ofereceu um quarto, afinal, os dois moradores da casa sairiam (um se tornou médico instantaneamente, o outro foi morar mais próximo da universidade que ele estudava) e estes dois quartos se encaixaram como uma luva às nossas (minha e da MT) necessidades. Era mais barato, bem mais próximo a universidade (12 minutos de micro), tranquilo, seguro... depois falo deste novo lugar.
Deixei, então, o lugar onde vivi várias emoções (várias mesmooo, rs) e muitos momentos complicados e estaria, agora, num novo ambiente e iniciaria mais um novo ciclo como um autêntico bolivicong.



A nova casa.

Silêncio, maturidade, respeito, mais silêncio e mais maturidade. Assim é o novo ambiente; sim, escrevo agora desta "nova" casa onde estou já há um belo tempo. A MT voltou do Brasil e veio morar aqui também, conheceu e adorou a Renata e, assim, fizemos um lar. Ela e eu pudemos assumir o namoro de uma vez, pois, como já disse, quando foi ao Brasil, pode terminar com o (ex) namorado e retornar para seu magrelo (yo, claro).



















Acima, a vista dá área. A casa é grande e bonita (assim como a maioria da vizinhança). Não é uma área nobre, mas o bairro é bom e com boas habitações; não tem o mesmo nível do bairro onde morava, no AP, porém, é melhor (bem melhor) do que o bairro da primeira casa em que morei. 

Como a maioria das casas em Santa Cruz, há bastante espaço. Há, também, bastante área verde, dando um ar gostoso às casas. Olhando assim, parece uma mansão, mas não é. Moramos na parte de cima da casa onde há três quartos, uma cozinha e um banheiro,uma sala grande e uma micro área de serviço. Na parte de baixo da casa, moram uma família de bolivianos, os donos da casa. 





E aqui estamos nós. Depois da mudança de casa, muito chão já rolou: Já fui ao Brasil, trabalhei no Samu por dois meses e meio, juntei dinheiro, conseguimos comprar geladeira e máquina de lavar, comprei cama, mesa, TV, impressora, violão. Fui assaltado, aprendi a xingar em espanhol, conheci melhor a Bolívia viajando de ônibus duas vezes por 12 horas até a fronteira com o Brasil, provei comidas ruins, boas, péssimas, nojentas... provei várias cervejas diferentes, conheci locais turísticos, cafeterias, feiras populares. Aprendi a economizar, a pedir ajuda, a ajudar, a dividir, a compartilhar, a me abrir e a ouvir.


Vem sendo um aprendizado.

Aqui, eu termino, em parte, a primeira parte deste blog. Eu diria, a parte chata e que não interessa a praticamente ninguém, senão a mim mesmo e pouquíssimas pessoas de meu círculo. Começo nos próximos posts, então, a falar mais das particularidades da vida geral em Santa Cruz de la Sierra, como: as coisas mais nojentas encontradas aqui, a pior comida que aqui existe, o que tem de pior e melhor na cidade, de acordo com minha apurada visão e, obviamente. hablarei de vez em quando de mim, claro.



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