Abaixo, mais uma de minhas experiências pessoais aqui na cidade.
Minha quarta mudança de casa
Depois que cheguei do Brasil das férias, tivemos que nos mudar de novo e começou a busca por casa; sem casa, ficamos num hotel barato que aqui eles chamam de "residencial" que é uma espécie de pousada/hotel com um quarto bem básico e sem serviço nenhum. Serve para aquelas pessoas que não tem muito dinheiro, tipo eu.
Fomos (eu e a minha namorada) logo cedo para internet pesquisar casa. Achamos alguns sites com casas para alugar, mas a maioria deles estava desatualizado; uma bosta; a maioria dos telefones eram celular e gastamos uma fortuna ligando para um e para outro. Tudo era muito infrutífero e não estávamos conseguindo nada e fomos a casas realmente podres (no anúncio era tudo muito perfeito). Era uma decepção atras da outra; ou era caro demais, longe ou não tinha banheiro ou cozinha. Tinha uma casa que não tinha cozinha e o banheiro era para dividir com mais umas três famílias de bolivianos; parecia um cortiço.
Desistimos de procurar naquele dia e esperamos para tentar no dia seguinte quando o jornal El Deber publica seus classificados. Acontece que a noite choveu muito e quando chove por aqui, a cidade para (LEIA: Alagamentos em Santa Cruz) e tudo que já é difícil, se torna quase impossível.
O Jornal El Deber. A procura.
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MT esperando táxi; mais a direita tem uns 50 bolivianos concorrendo por um meio de transporte. Digite 5 para saber o que acontece na sequência da foto. |
Começamos a busca logo cedo, após quase uma hora esperando um táxi nessa chuva (foto) competindo pelo transporte com dezenas de bolivianos, pois estávamos num local bem cheio de gente; mais uma bosta. No final, conseguimos embarcar num micro lotado (LEIA sobre os micro ônibus de Santa Cruz) e fomos até o centro onde passamos no banco, comemos algo e compramos o jornal para iniciar a pesquisa. A pesquisa começou ainda na lanchonete enquanto desayunamos. Assim como na web, tinha de tudo no El Deber e fomos anotando todos os anúncios que interessava, até que já quase no fim, encontrei um que me fez brilhar os olhos e a MT quando viu também se empolgou. Era um AP num condomínio fechado com segurança 24h, piscina e o escambau. Demorô, é esse mesmo! Decidimos. No anuncio, parecia ser bem perto da nossa universidade e a mulher que nos atendeu por telefone disse que tinha micro que passava de frente a ela. Perfeito, pensei.
A cidade estava um caos devido a chuva e tivemos que pagar 60 bolivianos pelo táxi (um absurdo, já que num dia normal seria, no máximo, a metade disso. Mesmo assim fomos.
Era o lugar mais longe que já tinha ido dentro dessa cidade. Passou e muito da universidade e seguimos por uma rodovia até entrarmos no que eles chamam de "urbanización" (loteamento) e depois seguirmos por uma rua malacabada até, depois de zanzar bastante, encontrar o tal "condomínio".
As leptos pira.
O lugar era bonito; tinha uma piscina pequena, os jardins bem cuidados e tinha um velhote que fazia "segurança"; só o pó, o coitado. Bem... entramos no condomínio e a dona nos mandou subir; era um prédio residencial. Subimos, nos apresentamos e entramos no AP. Era lindo, cara! Amplo, moderno, arejado; tinha cozinha e banheiro (ufaa), área de serviço e lavanderia, além de três quartos (como queríamos) e uma sala enorme; detalhes em mármore e muitas outras coisas chiques. Vimos o preço, era bom; vimos as condições de pagamentos, eram boas; se tinha água e luz, tinha; se tinha TV e internet, não tinha nem um e nem outro e não havia como colocar, ou seja, estávamos realmente en culo del mundo. Era longe demais e afastado de tudo de tal forma que nem chegava sinal de TV ou internet. Sem chances.
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Rua que atravessamos e, mais ao fundo, o AP. Aonde parece ter uma calçada, não tem calçada. É lama. |
Saímos de la desolados debaixo da chuva que não dava tregua e ai vem o pior; estávamos no meio do nada, sem táxi, na chuva e ao nosso redor estava tudo alagado; teríamos de atravessar um alagamento a pé. Mais outra bosta. Estava com estomago doendo, desanimado, desolado; minha cabeça estava explodindo e não era a leptospirose; era desespero mesmo por querer muito uma casa, uma casinha linda, um larzinho quente e não encontrar. Depois de atravessarmos quase um quilômetro entre alagamentos e lamas, sujos, retornamos ao jornal (derretido de molhado) e continuamos a pesquisar; tinha um cara alugando uma casa de quatro quartos pertinho da faculdade (esse era perto mesmo porque o endereço era conhecido) e marcamos de encontrá-lo; pegamos um táxi e fomos até um local combinado onde ele nos encontraria, de frente uma creche. Chegamos, o táxi se foi e ligamos para o indivíduo para avisar que já chegamos. Ele simplesmente disse que não ia la porque estava ocupado com não sei o quê e nos deixou plantados ali; simples assim e sem maiores satisfações; tínhamos acabado de falar com o desgraçado e ele se comprometera de nos encontrar com seu carro ali. Naquela hora, desejei que ele tivesse um aneurisma roto e morresse sangrando pelos olhos. Mas quem quase teve um aneurisma foi eu; as ruas estavam alagadas por ali também e teríamos de atravessar tudo a pé de novo e quando já questionávamos Jesus Cristo o que se passava e o porquê de tudo aquilo, veio um táxi que estava trazendo alguém por ali, já voltaria e prometeu nos levar; logo depois ele voltou e embarcamos. Mais um assalto o valor cobrado (vale lembrar que aqui não tem taxímetro) e quando questionamos ele já ameaçou parar o táxi como quem não fazia questão de nos levar, alegando claramente que "em dias de chuva, eles cobram muito mais caro mesmo", afinal não tem micro ônibus e a lei selvagem da oferta e da procura, desregulamentada totalmente nesse país, prevalece deslealmente. Pagamos o que o filho da puta pediu, saímos dali e fomos comer.
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Eu, desolado e todo molhado. Cara, que dia foi aquele? Notem a minha calça molhada até o joelho, rs |
Enquanto comíamos um pollo, olhávamos, ainda, o jornal. Precisávamos mesmo sair do hotel, pois estávamos com a grana contadinha e pagar diária e ficar comendo fora todo dia não estava no orçamento. Ali, sentados a mesa devorando o frango frito, vimos mais uma anúncio que tínhamos sinalizado; ligamos e falamos com um tal Valdemar. O Valdemar é um freelancer que aluga casa de terceiros e recebe comissão, como uma imobiliária. Fomos até ele. Um senhor gentil, falador e atencioso que nos mostrou as várias opções que tinha para nosso perfil orçamentário; umas bostas (as casas que nos mostrou e nosso perfil). Queríamos com dois ou três quartos e pagar, no máximo, 230 dólares se dois quartos ou 330 se três, e tinha que ter banheiro (claro) e cozinha (claro!). O melhorzinho que o Ademar tinha era um AP com dois quartos e banheiro, além de uma micro cozinha. Acontece que era uma sala enorme que colocaram umas divisórias de madeira dividindo aquela sala grande em dois quartos pequenos, uma cozinha micro e um banheiro esquisito. O Ademar, apesar de gente boa, não tinha nada para nós, mesmo assim ficamos de ligar para ele depois, se fosse o caso (e era possível que fosse) e saímos de la desolados para pegar um micro e voltarmos para o hotel.
A caminho do micro, vi uma casa escrito "alquila una casa" e fomos bater la para ver o que era. Só estava a empregada e a dona só chegaria as 17h00 e ainda eram 16h00. Resolvemos esperar, já meio desanimados porque nada dava certo e tivemos a ideia de dar a volta pela rua de atras e ver a casa melhor; na rua de trás tinha um prédio grande e então tive a ideia de, mesmo sem placa alguma de alquiler (aluga), apertar a campainha e perguntar se estavam alugando (estávamos delirando, já) e, nisso, passa uma moça pela rua e nos vê ali meio desolados e fala conosco em português, era brasileira. Contamos nossas mazelas e ela prontamente nos disse que em sem prédio estavam alugando dois quartos e cozinha e na mesma rua tinha outra casa alugando; ala nos passou o fone da primeira, mas ela não estava disponível e então fomos a segunda; tocamos a campainha e fomos atendidos por um rapaz que nos mostrou toda a casa; dois quartos, cozinha e banheiro, além de área de serviço, porém, sem sala. A cozinha era linda e adoramos aquele lugar, só que era 2000 bolivianos e ficaria pesado pra nosso limitado orçamento, mesmo assim devido a boa casa, os donos gente boa e a falta de opção, decidimos que ficaríamos ali e faríamos as mudanças no dia seguinte. Mas e a Renata (menina que mora conosco)? A casa só tinha dois quartos, mas infelizmente não tínhamos outra opção.
Mas e a casa que tinha a placa de alquila una casa? Voltamos lá e a dona já tinha chegado e nos atendeu. Logo no início já sentimos a má vontade quando ela disse que não queria alugar a casa para brasileiro. Disse, num sorriso amarelo, que somos muito barulhentos e arruaceiros e prefere um nativo, mesmo assim ela insistiu para que víssemos a casa (insistiu, porque eu e a MT já nos propusemos a vazar dali). Com a insistência dela (principalmente depois que dissemos que nem todos os brasileiros eram assim e que era, o Brasil, um país enorme), entramos. Casa limpinha e bonitinha, mas ficamos olhando com desdém e muito superficialmente e a MT perguntou se havia cozinha e ela disse que não havia. Foi a deixa para sairmos e recusar; antes de sair, disse que era imprescindível uma cozinha. Porque? perguntou ela e respondi com um sorriso amarelo que tínhamos, sim ou sim, que comer comida brasileira.
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Nossa nova casa. Valeu a correria. |
No dia seguinte, olhando novamente o jornal (com insistência da MT, porque eu já tinha desistido), a antepenúltima linha de anúncio, tinha uma casa com três quartos e com praticamente o mesmo preço dessa outra de dois quartos. Ligamos. Era uma imobiliária; fomos até la e nos levaram até a casa para nos mostrar; um pouco longe, porém com três quartos, lavanderia coberta, cozinha e sala; perfect.
Fizemos os contratos, pagamos 1150 bolivianos de taxa à imobiliária, mais um aluguel adiantado mais um mês de garantia (garanto, veja abaixo)), mas estávamos felizes, enfim.
Finalmente tínhamos um lar e faríamos a mudança ainda no mesmo dia. Depois conto como foi a mudança. Tenso.
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